terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O Corpo Dela, as Regras Dela - Um Conto de Natal



Eu sempre quis ter filhos. Eu me lembro que no dia em que eu descobri que as pessoas faziam bebês, eu disse para meus pais que eu também queria fazer um bebê. Eles riram e me perguntaram se eu sabia como os bebês eram feitos. Obviamente, eu não fazia a menor ideia; provavelmente eu achava que eles vinham desmontados pelo correio, ou que você poderia comprar os fascículos na banca. Então meus pais contaram aquela história de que “o papai coloca uma sementinha na barriga da mamãe e o nenê cresce.” Com a imaginação de uma criança, vi meu pai dando uma semente de girassol para minha mãe comer e o bebê crescendo na barriga dela. “Isso eu consigo fazer, pai! Eu posso dar a semente para a minha babá e ela faz um bebê pra mim.” Eles me explicaram que não é assim que funciona e que você tem que amar muito a outra pessoa para ter um bebê com ela; que os dois tem que estar dispostos a dividirem o filho; que bebê não é coisa de criança; que ter filho é coisa séria; e que “eu já disse que você não pode fazer filho. Já pro quarto, de castigo.” Eu insisti tanto nessa história que eles acabaram me dando um boneca de Natal. É claro que eu odiei! “Ah mãe, mas boneca é coisa de menina.” “Mas filho, você disse que queria um bebê!” “Sim mãe, eu quero um bebê, e não uma boneca!” A lógica de uma criança às vezes é irrefutável.


Alguns anos mais tarde eu descobri como os bebês realmente eram feitos. Mesmo tendo achado um pouco nojento, ainda queria tentar. Mas então chegou a adolescência e o sexo passou a ser algo que era feito só por prazer. É engraçado como associar uma mentira com uma verdade torna a mentira mais verossímil. Me diziam que sexo é gostoso e que eu deveria fazer o quanto eu quisesse e do jeito que eu quisesse. Afinal, é pra isso que inventaram a camisinha: fazer sexo sem se preocupar com as consequências. Me ensinaram que sexo era egoísta. As meninas viraram apenas um corpo que me satisfazia. Não que eu as tratasse mal, pelo contrário. Mas ninguém filosofa sobre a essência dos relacionamentos quanto o que se quer é o prazer de um orgasmo. Sem contar que o jogo era limpo: o que eu queria, as meninas tinham; e o que elas queriam, eu tinha. Todo mundo feliz no final da noite.

Só que o dia chega em que de repente acontece o que todo mundo sabe, mas finge que não espera. A menstruação da minha namorada atrasou. Ela estava meio desregulada por causa do estresse da faculdade, então achamos que não era nada. Depois de mais de dois meses de atraso, resolvemos comprar o teste. O xixi dela mal tocou o papel e o positivo apareceu: nós seríamos pais. Dizer que foi o erro de uma noite seria mentira, porque fiz sexo sem camisinha outras vezes e poderia ter engravidado outras meninas. Procurar culpados seria inútil porque fizemos aquilo juntos. Enquanto eu andava nervoso de um lado para o outro na sala ouvindo ela balbuciar que os pais dela iam matá-la, que a vida tinha acabado, que ela não conseguiria terminar a faculdade, e isso e aquilo, comecei a sentir o coração alegre. Lembrei da boneca que ganhei de Natal quando era criança. Fiz as contas dos meses e percebi que o bebê provavelmente chegaria exatamente perto do Natal. Eu finalmente ganharia o único presente que meus pais não puderam me dar. Imagine minha felicidade! Acho que o sorriso logo apareceu no meu rosto, porque ela parou de falar e me olhou com cara de curiosidade. “Maria, nós vamos ter um bebê!”, “E você está feliz?!”, “Claro! Eu quero ter um bebê desde de que eu era criança, e você vai me dar um. A mulher que eu amo vai me dar um filho!” Não sei o que foi pior para ela: eu ter dito que a amava ou repetir 4 vezes que nós teríamos um bebê. “Mas eu não te amo. Não desse jeito.” Ela levantou, pegou a bolsa e saiu pela porta, me deixando sozinho para catar os cacos do meu coração que agora estavam espalhados pelo tapete.

Passei as próximas 2 semanas tentando falar com ela, sem sucesso. O telefone estava sempre desligado e ela não retornava meus recados. Acabei descobrindo com o porteiro do prédio que ela tinha voltado para a cidade dos pais dela, no interior do estado. Eu não fazia a menor ideia do endereço e comecei a procurar as pessoas que a conheciam para descobrir. Depois de muito insistir, uma amiga dela me disse onde era. Eu entrei no carro e dirigi a noite toda em um misto de apreensão e esperança. Quem sabe alguns dias pensando com calma tivessem feito ela entender a alegria que eu sentia; e quem sabe ela também já estivesse alegre agora que o primeiro choque tinha passado. Cheguei na porta da casa pouco antes das 8 da manhã e a encontrei saindo pelo portão com os pais. “Maria, finalmente te achei. Precisamos conversar.” “Quem é esse moço, filha?” Silêncio. “Eu sou o namorado da Maria. Muito prazer em conhecê-los!” Estendi a mão para cumprimentar o pai dela, mas ele me disse: “Filho, volte para casa. Não tem nada seu aqui.” Eles entraram no carro e saíram.

Fiquei transtornado, entrei no meu carro e comecei a persegui-los. Buzinei, gritei, quase causei um acidente tentando fazê-los me ouvir. Como assim não havia nada meu ali? Eu posso ter perdido a namorada, mas o filho que ela carregava no ventre também era meu. Senti o coração gelar quando percebi para onde eles estavam indo. A fachada era ironicamente decorada com motivos infantis, mas o subtítulo “Seu corpo, suas regras” entregava o objetivo da clínica. Fiquei preso no cruzamento e vi à distância Maria entrar pela porta acompanhada dos pais. Arremessei o carro contra a cancela, saltei pela porta e corri para dentro da clínica. O segurança me agarrou pela camisa quando eu tentava entrar no consultório. Alguém chamou a polícia. “Eu quero ter esse bebê! Eu também participei da criação dessa vida! Por que eu não tenho direito a opinar?! Meu filho, minhas regras!” Enquanto os policiais me algemavam, o pai dela saiu do consultório e caminhou resoluto na minha direção. “Filho, já está feito h'a dias. Eu te disse que não havia nada seu aqui.” Chorei até ser solto na manhã seguinte.

Alguns meses depois, quando o Natal daquele ano chegou, fiquei pensando em Marias. Uma dividiu o filho com José; a outra arrancou meu filho de mim. Uma escolheu dar a vida; a outra me deu a morte.

*P.S.: Esta é uma obra de ficção. Me sinto burro escrevendo isso, mas mais burro é quem acha que essa história aconteceu comigo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

7 Semanas

7 Semanas

Nota de Introdução

Algumas histórias, de tão curiosas, parecem ter sido inventadas. No entanto, talvez não haja autor mais criativo do que a própria História. As pessoas, agindo por si mesmas, atuam melhor do que atores e costumam, ainda que inconscientes de seus papéis, criar diálogos mais do que fantásticos, de tão absurdos que soam. No entanto, esta história que agora lhes conto está bem documentada. Mas, desde logo, aviso que é uma história daquelas que, de tão curiosas, parecem ter sido inventadas.

É a história de uma cidade fantasma. Uma cidade que, embora ainda exista na geografia de nosso mundo, não existe mais nos censos populacionais. Explico: os prédios ainda estão lá, com toda pujança arquitetônica; as ruas ainda estão lá, com as placas de sinalização e os semáforos; os objetos todos ainda estão lá contanto a história daquela cidade; só não estão as pessoas.

Curioso, resolvi ir até lá investigar. Escapando de uma ou outra patrulha - que só faziam me atrapalhar e contaminar toda a área - me esgueirei pela cidade, antes tão agitada, mas agora deserta. Como não havia viv’alma a quem entrevistar, meu trabalho mais parecia o de um arqueólogo do que de um jornalista. Tirei fotografias, li jornais, revirei lixos, invadi casas, acessei computadores, peguei flyers publicitários do chão. Enquanto caminhava e coletava material, escrevia um diário com as sensações e percepções que tive. E é este o material bruto que resolvi publicar. A história é tão inesperada e incrível que achei melhor deixar os fatos, junto com os objetos, contarem-na. Tenho certeza de que você ficará tão abismado quanto eu. Acrescentei apenas algumas notas explicativas ao texto e umas poucas observações posteriores. No mais, o material está praticamente idêntico ao meu diário.

Não posso negar que minha investigação relata fatos muito diferentes daqueles exibidos na versão oficial divulgada à imprensa. Na verdade, eu posso estar levantando mais dúvidas do que certezas, mas este incidente em Nova Wilhelm é tão sui generis que explicações simplórias não servem.

Quanto à conclusão, deixo a você. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã filosofia”.

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Diário de Jornada

27 de novembro - Li uma notícia intrigante: todos os moradores de uma cidade que fica isolada nas montanhas sumiram. Correm boatos de que houve um acidente químico e que a área está interditada. Mas essa história está muito estranha. As fotos que vi não dão a menor pista de que ocorreu tal acidente. Outros sugerem que foram alienígenas, mas essa hipótese é simplesmente absurda. Porque acreditar em algo que jamais foi comprovado? Vou dar um jeito de ir para lá rápido, antes que o cenário fique muito alterado. Este incidente pode dar uma excelente história.


sábado, 19 de dezembro de 2009

Causando Vergonha Alheia

PROVAVELMENTE o autor de eclesiastes está se revirando agora no seio de abraão (isso se ele estiver deitado lá, se não pode ser só uma coceirinha no pé...) mas esse negócio de escrever é bastante viciante. Torno cá para produzir conteúdo que não será lido (que complexo de inferioridade; rufem os violinos).

ENFIM, que se desenrole o título e pare o lero lero.

QUEM nunca sentiu vergonha alheia? Sabe, quando aquele seu amigo manda um xaveco muito fraco na menina que ele gosta (e você sabe disso)? Ou quando o parceiro do seu lado decide que é cantor e começa um solo no meio da estação de metrô, naquele volume que os transeuntes param pra ter certeza se estão ouvindo ou não aquilo? Aposto que devam haver inúmeras histórias de vergonha alheia envolvendo bebidas alcóolicas, mas elas deixam tudo mais sem graça (é isso ai, beber te deixa mais sem graça, embora você ache o contrário), então me recuso a comentar. Enfim, aquele sentimento de quem sabe que o cara tá mandando mal, mas acha que tá abafando. Na verdade, vergonha alheia é uma expressão tão autoexplicativa (anotem ai, nova regra ortográfica) que estou sendo prolixo e corro o risco de estragar. Vergonha alheia é sentir a vergonha que outra pessoa deveria estar sentindo.

POIS bem, mas agora que se diga o porque do "Causando" no título. Acontece que eu adoro, A-DO-RO (alguém sinta vergonha alheia, por favor =D), causar vergonha alheia nos outros. É muito bom ver a reação dos seus amigos quando você faz um biquinho e começa a imitar um trompete em plena avenida Paulista, enquanto espera aqueles faróis para pedestres miseráveis abrirem e a esquina está cheia de gentes. Ou quando você resolve dar uma estrela (bastante torta, afinal alongamento é pra mulheres) na estação Sé de Metrô com uma mochila nas costas. Ou quando você liga pra pizzaria e pede por um sabor e pergunta se na concorrência é mais barato. Ou quando você resolve atravessar a rua num "moon walk" style apontando o indicador pros motoristas. Poderia ficar a noite toda dando exemplos, mas vou gastar as ideias à toa (pretendo usá-las =D).

O FATO é que, fazendo isso, dou histórias pra muita gente. Imagino o que a tiazinha que estava do meu lado no ônibus falou em casa depois de ver eu me trocando do lado dela (calma, eu tava com um shorts por baixo da calça e uma camiseta por baixo da camisa, mas ela deve ter tomado um susto quando me viu desabotoando a calça a baixando o zíper...). Ou dos motoristas depois de verem que Michael não morreu, mas continuou branco e fez permanente no cabelo pra ter cachinhos de novo =D

CAROS colegas. Sou muito grato pela vergonha que vocês sentem em meu lugar. Com certeza a cara de vocês faz parte de uma cena bastante hilária, que não estaria completa sem vossa reação. Portanto, peço-lhes, humildemente: caso tenham coragem de andar comigo por ai, treinem vossas caras de vergonha alheia e deixe-me usá-las! Para o bem dos passantes, peço-vos =D